17 junho 2018

[AUTOR DO MÊS] Conteúdo Exclusivo por Aya Imaeda




                           Escrevendo personagens do gênero oposto            

Quando comecei a escrever “O segredo do kelpie”, logo percebi que o romance teria um papel fundamental na história. Sempre ouvi dizerem que, para as leitoras, a experiência é muito melhor se elas podem se identificar com a protagonista e viver o romance através dela. Porém, desde o começo eu sabia que queria escrever a história sob o ponto de vista do kelpie, e não da garota humana.

Como meu foco é a fantasia, não o romance, não quis voltar atrás nessa decisão, mas também queria que as leitoras que gostam de romance pudessem curtir esse lado da história. Assim, fiz uma pergunta mais ou menos como esta em um fórum de escritores:

 “Leitoras de romance, estou escrevendo uma história de fantasia sobre um espírito da água que acaba preso a uma garota humana por um contrato de trabalho. Tem romance na história, então queria a opinião de vocês. Costumam ler romances contados pelo ponto de vista de um personagem masculino? Isso torna mais difícil de se identificarem com a mocinha?”

Para minha surpresa, o que eu mais recebi foram respostas de HOMENS. Homens me dizendo que, como mulher, eu não posso escrever sob o ponto de vista de um personagem masculino, pois homens são muito complexos para que minha pobre mente feminina possa compreender.

Pontos interessantes:

1. Eles nunca leram nada escrito por mim e, portanto, não sabem o quão boa ou ruim eu sou em escrever personagens masculinos;

2. Meu protagonista nem humano é, e não está sujeito ao mesmo conceito de masculinidade da nossa sociedade;

3. Ninguém perguntou nada aos homens.

Apesar de tudo, eu levei, sim, a sério. Até aquele momento, nunca tinha parado para pensar na minha capacidade de escrever personagens masculinos. Será que havia algo de tão diferente e especial assim em homens escrevendo sobre homens?

Como pesquisa, comprei um romance romântico escrito por um autor homem e narrado pelo protagonista masculino. Parecia o livro ideal para eu estudar, mas, para minha surpresa, eu não achei o protagonista convincente. Um dos aspectos que mais me irritou foi ele se descrever praticamente um lobo solitário durão que nunca revela seus sentimentos, mas passar boa parte do livro sendo dramático como a mais chata das mocinhas apaixonadas com pena de si mesmas que eu já li na vida.

Percebi que o problema não era o protagonista não ser convincente como homem, porque homem pode ser dramático, sim. O problema era que o autor parecia ter tentado criar uma imagem para o protagonista no início e insistiu nela, mesmo que no decorrer da história as ações dele não fossem nem um pouco condizentes com essa imagem. Faltou uma revisão mais cuidadosa.

E esse problema não tem nada a ver com o gênero do autor, nem do personagem. Todo mundo pode escrever personagens que precisam de uma boa revisão.

Mais do que focar em criar personagens homens ou mulheres, precisamos criar bons personagens. O contexto em que eles foram criados, a visão de mundo que foram ensinados a ter, tudo isso contribui para a formação da personalidade deles tanto ou mais do que o gênero, até porque a definição de gêneros e as expectativas sobre eles diferem de sociedade para sociedade.

E não vamos esquecer a personalidade individual, é claro. Não existe um modelo correto de homem ou mulher (ou outros gêneros), e as pessoas reais estão aí para provar. Minha irmã é a pessoa mais parecida comigo no mundo (só um ano de diferença, criadas juntas e com 50% do DNA igual), mas ainda assim somos muito diferentes, inclusive no quesito romance.

Todos nós vamos cometer deslizes ao representar personagens diferentes de nós, seja em gênero, etnia, idade. Porém, a mesma regra vale para todos: uma pesquisa cuidadosa e respeitosa, preocupada em compreender o contexto do outro.

E, escritores homens, por favor, leiam mais mulheres escrevendo mulheres. Nossos peitos não fazem esses malabarismos todos que vocês acham que eles fazem.

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1 Comentários:

Às 19 de junho de 2018 às 14:46 , Blogger Ana disse...

Preguiça desses homens chatos! Escritor pode escrever sob qualquer ponto de vista. Se ele será convincente ou não, depende de muitos fatores. Seu kelpie ficou ótimo, meu Kieran e meu Balthazar são ótimos e esse povo é muito sem noção.

 

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